Médica vetada pelo governo Bolsonaro disse que estímulo ao uso da cloroquina é “delirante” e comparou debate sobre o tema à bizarra polêmica sobre “terra plana”
Luana Araújo disse ainda que não enfrentou resistência no Ministério da Saúde, mas não foi dada uma justificativa para não ser nomeada à pasta.
A médica infectologista Luana Araújo iniciou seu depoimento, à CPI da Covid, nesta quarta-feira (2), com críticas ao tratamento precoce contra covid-19 e também às pessoas que defendem a medida. A especialista comparou o debate sobre o uso de hidroxicloroquina à “terra plana” e reiterou que impor os medicamentos como política de saúde pública é colocar o Brasil na “vanguarda da estupidez mundial”.
No início de maio deste ano, Luana Araújo chegou a ser anunciada pelo ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, para o cargo de secretária extraordinária de Enfrentamento à covid-19. Porém, após a divulgação da imprensa sobre o posicionamento contrário da médica ao chamado “tratamento precoce”, sua nomeação foi cancelada 10 dias depois.
A médica disse não saber se sua posição, que é contrária à do presidente Jair Bolsonaro, influenciou em sua saída, mas disse que seria “lamentável” se houvesse essa influência. Na avaliação dela, como especialista, o uso de hidroxicloroquina no combate à covid-19 não tem embasamento científico.
“Essa é uma discussão delirante, anacrônica, esdrúxula e contraproducente. Estamos na vanguarda da estupidez mundial em vários aspectos, porque estamos discutindo algo que não tem cabimento. É igual discutir de qual borda da terra plana vamos pular”, afirmou a médica à CPI.
Tratamento que vulnerabiliza
Luana Araújo começou seu depoimento com uma homenagem às vítimas da covid-19. Segundo ela, o Brasil teria que ficar mais de 320 dias em silêncio se quisesse prestar um minuto de silêncio para cada vítima do vírus. A médica também lembrou que não é um ser da política, mas uma técnica leal aos seus pacientes e guiada pelo juramento médico que ela fez. “É uma hecatombe, só de ontem pra hoje caíram 12 aviões em nosso território. Ciência não tem lado político, apenas prioriza a vida”, afirmou.
A especialista foi questionada se o estímulo ao uso de medicamentos sem eficácia contra a covid-19, por parte do presidente Bolsonaro e membros do governo, prejudica a adesão da população ao uso de máscara e aplicação do distanciamento social. Segundo Luana, defender algo que não tem comprovação científica expõe as pessoas à vulnerabilidade. “Quem fez isso, tem responsabilidade sobre o que vem depois”, disse.
Ela acrescentou ainda que possui estudos de metanálise que apontam para aumento da mortalidade em pacientes após o uso de hidroxicloroquina. “Quando isso é uma decisão pessoal é uma coisa, mas se isso é uma política pública, torna-se algo muito sério.”
Saída da secretaria
A infectologista ficou apenas 10 dias no comando da Secretaria de Combate à covid-19. Ela relata que, desde o começo, Marcelo Queiroga prometeu autonomia e respeito à cientificidade, o que garantiria uma “coordenação de esforços para combater a pandemia e interlocução com estados e municípios”.
À CPI, Luana Araújo disse ainda que não enfrentou resistência no Ministério da Saúde, mas não foi dada uma justificativa para não ser nomeada. “Quando vi que arrastaram a minha nomeação, sabia que não aconteceria. Não sei se minha manifestação científica influenciou. O ministro Queiroga disse que lamentava, mas que minha nomeação não foi aprovada”, contou.
Durante os 10 dias a serviço do ministério, a médica disse que ficou isolada e tinha contato apenas com Marcelo Queiroga e seus assessores. “Eu até brinquei que a secretaria ficava num anexo, no final de outro anexo, que era distante do gabinete do ministro”, ironizou ela, que tentou levar outros cientistas à pasta, mas não teve sucesso. “Nós temos cérebros incríveis no país. mas as pessoas, hoje, se sentem compelidas ao desafio de ajudar o país? Não se sentem.”
Gabinete paralelo
O presidente da CPI, o senador Omar Aziz (MDB-AM), elogiou o currículo da médica e afirmou ser “inacreditável” o veto feito pelo governo. “Eles não estão interessados em gerenciar a crise, mas procurar alguém que compactua com tratamento precoce e imunidade de rebanho. Você foi vetada por não compactuar com as políticas do gabinete paralelo”, comentou durante a sessão.
Já o vice-presidente da CPI, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP) afirmou que o veto ao nome da especialista deixa evidente a “existência e a interferência do ‘Gabinete Paralelo’ nas decisões relacionadas à pandemia”. “Luana Araújo confirmou que seu nome não foi aprovado, após ser submetido à Casa Civil. A decisão do Ministro Queiroga sofreu ingerência!”, tuitou.
Fonte: RBA