DIA NACIONAL DA LUTA DOS POVOS INDÍGENAS: A LUTA PELO DIREITO DE VIVER

O dia 7 de fevereiro marca o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. A data relembra o ano de 1756, quando ocorreu a morte do guarani mbya Djekupe Aju, ou Sepé Tiaraju, uma das grandes lideranças indígenas dos Sete Povos das Missões, que liderou a revolta contra portugueses e espanhóis. Ficou marcada sua frase: “Ko yvy ha jara”, cuja tradução do guarani para o português significa “esta terra tem dono”, porém é preciso levar-se em conta que “jara” não significa exatamente “dono”, mas sim “guardião”.

Em 2022, passados 266 anos, os povos indígenas seguem lutando pelo direito à demarcação de suas terras, contra a destruição da natureza e pelos seus direitos.

A frase foi proferida no dia 7 de fevereiro de 1756, dia da morte de Sepé Tiaraju, durante a batalha, ocorrida na região de Sete Povos das Missões, Rio Grande do Sul, contra a divisão da América do Sul entre portugueses e espanhóis pelo Tratado de Madri, como se neste território não houvesse povos originários, famílias e organizações sociais milenares.

Os povos nunca se resignaram. Lutaram deste sempre pela manutenção de seus territórios. E na época do Tratado de Madri, foram à batalha pelos territórios localizados onde, atualmente, estão situados o centro-leste do Paraguai, noroeste da Argentina, Sul do Brasil e norte do Uruguai. Desde então Sepé Tiaraju se tornou símbolo de resistência. A data também significa o reconhecimento da luta dos povos originários em contraposição ao dia 19 de abril, data oficial do Estado brasileiro, que foi deixada de lado até ser esquecida. Os povos originários nunca reconheceram aquela data como sua.

Quando o 19 de abril caiu no esquecimento, escolheram uma data que os representasse de fato. E, dentre muitas, trouxeram para a memória nacional uma de suas mais duras lutas que retratam as imensas e desiguais batalhas contra a opressão, o saqueio de suas terras e riquezas, os assassinatos de lideranças, o extermínio de jovens, velhos, crianças, homens e mulheres, o genocídio étnico, o apagamento, a colonização e toda a forma de mando, de domínio e de rapinagem. Por isso foi escolhido o 7 de fevereiro para ser o Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas. A data foi instituída, em 2008, pela Lei nº 11.696.

“A luta dos povos originários perpassa 521 anos. Desde a chegada dos portugueses ao Brasil, manterem seus territórios e sua cultura se constituem em seus maiores desafios. Atualmente,  com o advento de um governo conservador e fascista, a luta dos povos originários também deve ser de todos e todas para barrar leis que afetam, diretamente, os direitos dessa população, como o avanço do agronegócio sobre as suas terras, o desmatamento, o garimpo ilegal e a disseminação de doenças que ceifam cada dia mais as suas vidas. É importante também destacar o direito à educação que valorize seus costumes e sua ancestralidade. Manter viva a história dos povos originários é valorizar a nossa história”, afirma Márcia Gilda Moreira Cosme, coordenadora da Secretaria de Raça e Sexualidade do sinpro-DF.

A luta pela terra: uma história de invasões, massacres e extermínios

Passados 265 anos da morte de Sepé Tiaraju, a luta pelo direito à terra, ao reconhecimento e ao respeito a suas culturas continua cada vez mais forte. No governo Jair Bolsonaro, essa luta se intensifica como se o Brasil ainda estivesse no século XVIII. O presidente do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), arcebispo de Porto Velho, dom Roque Paloschi, afirmou, recentemente, que “as comunidades originárias e tradicionais são atingidas, diariamente, pela política nefasta de criminosa do atual governo”.

Só em 2019, primeiro ano do mandato bolsonarista, as invasões a Terras Indígenas (TI), a exploração ilegal de recursos naturais e danos diversos ao patrimônio mais que dobraram. Levantamento do Cimi, divulgado em setembro de 2020, dá conta de que esses ataques passaram de 109 casos, em 2018, para 256, só em 219, na gestão de Jair Bolsonaro: um crescimento de 135%. O levantamento é divulgado, anualmente, desde 1996.

Desde o primeiro dia do mandato, Bolsonaro e a ala militar colonialista estabeleceram uma parceria arbitrária com empresários nacionais e estrangeiros, incluindo aí madeireiros, garimpeiros e agronegócio, de ataque aos povos originários, sobretudo para promover nova invasão e rapinagem de suas terras. De acordo com o documento do Cimi, também houve aumento considerável de casos em 16 das 19 categorias de violência contra indígenas compiladas na publicação, incluindo as “mortes por desassistência”, que passaram de 11, em 2018, para 31 em 2019.

Soma-se a isso as ameaças de morte, que cresceram de oito para 33, as lesões corporais dolosas, que subiram de cinco para 13, e as mortes de crianças de zero a cinco anos, que passaram de 591, em 2018, para 825 em 2019. Em 2020, só com a pandemia do novo coronavírus, já morreram 953 indígenas, 47.937 foram contaminados e apresentaram a Covid-19 e 161 povos foram alcançados pela pandemia. Os dados são da Articulação dos Povos Indígenas do Brasil (Apib), que acompanha de perto a situação da pandemia entre os povos.

Para oficializar o saqueio e “passar a boiada”, como disse o ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, na famosa reunião de 22/4/2020, o governo Bolsonaro assinou um projeto de lei, no dia 5 de fevereiro de 2020, que autoriza a mineração e a geração de energia elétrica em terras indígenas. Apesar de prever veto das comunidades indígenas no caso de garimpo, apenas prevê que elas serão consultadas no caso de exploração energética. Também abre um perigoso precedente para a regulamentação e manutenção dessas atividades.

Com isso, o governo Bolsonaro/Mourão bate recordes de devastação da natureza, que ambos insistem em minimizar. Recentemente, Bolsonaro disse que ele é o “líder em conservação de florestas tropicais” e culpa indígenas, imprensa e ONG por queimadas. Mas os dados do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe) – órgão perseguido pelo atual governo federal – desmentem os dois e mostram que até o dia 26 de setembro de 2020 foram identificados 73.459 focos de calor só na Amazônia.

Ou seja, 12% a mais do que o registrado em 2018, ano que já havia tido o pior resultado em mais de uma década. O maior aumento, em 2020, foi observado no Pantanal, onde foram detectados 16.667 focos. O número é mais que o triplo do balanço de 2019 (5.891). O cenário no Cerrado também choca: foram confirmados 42.921 mil focos de queimadas entre os meses de janeiro e setembro de 2020.

O 7 de fevereiro e seu significado em 2021

Iberê, doutor em antropologia pela Universidade de Brasília (UnB), diz que essa data foi instituída para dar visibilidade a essa luta cotidiana, repleta de derrotas, em defesa das causas dos povos originários que têm enfrentado uma série de todo tipo de atrocidades praticadas por quase todos os governos, principalmente, o governo federal.

“Não é uma data de comemoração de conquistas que conseguimos olhando para o passado. É uma data que marca a nossa resistência. Rememora os muitos processos de resistência, luta e das muitas perdas que temos tido ao longo desse caminho. Se eu for falar de nossas vitórias, terei de puxar pela memória as poucas vitórias, a menos que a gente considere vitória os nossos encontros, mas nada disso se dá sem enfrentamento com o governo”, afirma.

Ele cita como exemplo o que eles chamam de “retomada”, ou seja, a luta pela distribuição de terras, que, no entendimento dos povos originários, deveria ser parte de um projeto permanente de qualquer Estado, assim como o direito aos produtos livres de transgênico, à educação e saúde públicas de qualidade para povos indígenas, ao reconhecimento dos seus territórios, à vacinação, principalmente nos tempos de pandemia.

“Cada ponto desses são pontos de luta que nunca chegamos ao limite de dizer agora não precisamos mais. Sempre foi e tem sido pontos de luta, em alguns momentos em maior intensidade, em outros, menos”, lembra. Iberê afirma que quando “a gente fala de terra e território em todos os sentidos que essas palavras têm, para nós, a terra é a nossa grande mãe. Quando o colonizador chegou perdido, achando que havia chegado na Índia, eram poucos, desnutridos, sem alimentação. Nós os alimentamos, demos de comer, e tratamos como um igual. Mas ele tinha sede por território e observava a terra como objeto e até hoje essa sede não foi saciada”.

E completa: “quando olhamos para os espaços sagrados dos nossos 305 povos, os reconhecidos pelo último Censo 2010, todos estão apartados dos seus territórios. O Censo de 2010 constatou a existência de 1.239 territórios indígenas, mas, até agora, o Estado brasileiro só reconheceu 504, que são demarcados”.

Os outros não são reconhecidos, portanto, as poucas políticas públicas voltadas para os povos originários e tradicionais chegam apenas aos territórios reconhecidos pelo governo federal. Sem contar que mais da metade da população indígena não está nos territórios e sim nas periferias das cidades, segundo o Censo do IBGE de 2010.

“Depois desse Censo não há mais dados novos. De lá para cá não sabemos onde estão, quantos são e o que estão fazendo os indígenas que vivem nas periferias das cidades. Os 1.239 territórios deveriam ter sido reconhecidos e demarcados desde a Constituição de 1988 e nunca foram”, denuncia.

Os corações do mundo

Para Alan Miguel Alves Apurinã, da Nação Apurinã, Terra Indígena localizada no Amazonas, fazendo divisa com o Acre e Rondônia e  conhecida como “Boca do Acre”, falar do Dia Nacional de Luta dos Povos Indígenas é falar de um tema muito longo.

“É um tema de ontem, de hoje e dos futuros. A luta indígena nunca para. Numa época atrás o número de povos indígenas era muito maior. Mas as lutas que vimos travando desde então têm feito a gente perder muita gente. Temos perdido, sistematicamente, anciões, crianças, mulheres guerreiras e lideranças mulheres, que demarcaram suas terras, que ajudam o seu povo e sua nação”.

Ele observa que a luta, hoje, está centrada na manutenção daquilo que está escrito na Constituição Federal de 1988. “Algo simples, algo que já está escrito. Dentro do nosso Artigo 231 e 232, do Estatuto dos Índios, que fala sobre as nações indígenas, seus direitos, suas terras e sobre o tempo limite de demarcação de terras e áreas indígenas, que são homologadas, regularizadas, documentadas e delimitadas”, afirma.

“É um processo que o governo não quer reconhecer. Todo mundo sabe que quando se fala em terras, fala-se em riquezas, quer seja na superfície, quer seja no subsolo. Quando temos essas riquezas guardadas ainda pela população indígenas é muito difícil uma mente capitalista demarcar algo que ele só consegue enxergar ouro, diamante, nióbio, hidrelétricas, madeira e outras riquezas naturais”, completa.

Para além da luta pelas suas terras e o direito à saúde, educação, alimentação, água potável, vacinação, luz e todos os direitos fundamentais, a luta é para manter seus territórios e a floresta em pé, bem como as vidas que existem nela.

“Quando se fala em Amazônia, Cerrado, Caatinga, Mar, a primeira coisa que vem à mente, é a natureza. É importante reconhecer que esses biomas são os corações do mundo, mas a gente tem de ver que nesses lugares há vida de todo tipo: pessoas, flora, fauna, que nos mantêm vivos, que significa ser coração do planeta. O mundo capitalista é o grande rival. Não somos contra o capitalismo, mas sim contra o modelo que eles utilizam se saqueio para lucro e que destrói tudo isso”, finaliza.

Fonte: SINPRO-DF