O Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na quinta-feira (9) que o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), o indicador oficial de inflação, fechou o mês de agosto em 0,87%, a maior taxa para um mês de agosto desde 2000. No acumulado dos 12 meses, chegou a 9,68%, o maior percentual desde fevereiro de 2016, quando o acumulado de 12 meses estava em 10,3%.
Segundo o IBGE, a alta nos preços foi generalizada, com 8 dos 9 grupos de produtos registrando alta, com exceção de saúde e cuidados pessoais. Os maiores vilões foram os grupos dos transportes (alta de 1,46% apenas no mês de agosto), puxada pelo aumento da gasolina, e de alimentação e bebidas (1,39%).
A subida no preço dos alimentos não é novidade para o brasileiro, que tem sido obrigado nos últimos meses a procurar substitutos para diversos produtos que apresentaram forte alta nos preços.
Segundo a Pesquisa Nacional da Cesta Básica de Alimentos, realizada mensalmente pelo Dieese (Departamento Intersindical de Estatística e Estudos Socioeconômicos) em 17 capitais, a cesta básica subiu em 13 destas cidades no mês de agosto. Em agosto, o valor médio da cesta básica em Porto Alegre foi de R$ 664,67, o maior do país.
Contudo, o Brasil se encaminha para fechar o ano com recordes de produção. O mesmo IBGE estimou, em agosto, que a safra brasileira de grãos, cereais e leguminosas deverá fechar o ano em 256,1 milhões de toneladas, o que seria a maior da história. O que explica então a alta no preço dos alimentos?
Pandemia e preço internacional
O professor Alessandro Donadio Miebach, do Departamento de Economia e Relações Institucionais da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), afirma que o primeiro elemento que precisa ser levado em conta para explicar a inflação brasileira é o impacto da pandemia no preço internacional dos alimentos.
De acordo com o Indicador de Preços de Alimentos da Organização das Nações Unidas para a Alimentação e a Agricultura (FAO, na sigla em inglês), a média dos preços iniciou 2020 em um patamar acima, mas ainda próximo, do que fora registrado em 2018 e 2019. Após uma leve queda nos primeiros meses do ano, começou a subir a partir de maio e manteve uma trajetória de alta que perdurou até maio de 2020, atingindo patamares mais de 30% superiores aos do início da pandemia.
Índice de preços dos alimentos medido pela FAO | Foto: Reprodução
A trajetória apontou para queda em junho e julho, mas já voltou a subir globalmente em agosto. Na avaliação de Miebach, em razão das incertezas geradas pelo variante Delta do coronavírus. Mas por que a pandemia influenciou o preço dos alimentos? “Ninguém sabia o que era a pandemia de março de 2020, o que os países foram fazer? Compor estoques e garantir a segurança alimentar. Isso explica para nós o pico nos preços. Tu não tem outro motivo para a subida de preços nessa magnitude que a gente viu”, diz.
Se o preço dos alimentos sobe no mercado internacional, sobe no Brasil também. Contudo, há um agravante para o cenário brasileiro: a disparada no dólar verificada nos últimos anos tornou mais atrativo para o produtor nacional vender para o exterior. “A nossa agricultura é mercantil, visa lucro, então ‘eu vou vender onde eu tenho um preço mais alto’. Se o preço internacional subiu, eu vou subir aqui também, não vou vender mais barato para o mercado doméstico. Se o mercado doméstico quiser comprar o meu cereal, vai ter que pagar o mesmo preço”, diz o professor.
Patrícia Costa, economista e Supervisora de Pesquisa de Preços do Dieese, explica que essa priorização das exportações gera um segundo elemento inflacionário, que é a falta de oferta de produtos para o mercado interno. “A gente começou a exportar muito feijão, muito arroz, carne bovina, soja, óleo de soja, açúcar, e tudo isso vem elevando o preço dos alimentos, porque grande parte da nossa produção é para fora e aqui dentro não tem oferta suficiente para cumprir a demanda, então você tem aumento de preço”, explica.
Um terceiro elemento, também relacionado à variação de preços no mercado internacional e ao dólar, é a alta de combustíveis e derivados do petróleo, como gasolina, diesel e gás de cozinha, que são insumos essenciais tanto para o produção de alimentos como para o transporte. “A política da Petrobras mudou para priorizar o lucro dos acionistas e quem paga esse lucro é a população brasileira, porque vai comprar o gás e a gasolina na bomba”, diz a economista.
Soma-se a isso a alta em mais um insumo essencial, a energia elétrica, que está relacionada à crise hídrica e à falta de planejamento do governo federal para enfrentá-la.
“A gente precisa lembrar que luz, combustível e gás também são custos de produção. Milho e soja, que a gente também está mandando para a fora, são insumos para a produção de gado, que produz carne e leite. Então, os problemas da economia brasileira neste momento estão do lado da oferta dos produtos. Porque, do outro lado você tem uma demanda extremamente reprimida, as pessoas não têm renda, tem muita gente pulando refeições porque não tem dinheiro para comprar as três refeições para a família, tem muita gente que está cozinhando com lenha porque não tem dinheiro para o botijão de gás. O produtor olha para o Brasil e vê um país empobrecido e olha para o mercado internacional, vê a demanda da China e ainda recebe o dólar, então é extremamente vantajoso para ele exportar esses alimentos”, diz Patrícia Costa.
Por outro lado, Costa e Miebach apontam que o Brasil deixou de usar instrumentos que tinha à disposição para controlar a variação dos preços internacionais, como os estoques reguladores da Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Uma reportagem do publicada pelo portal UOL em setembro de 2020 apontou que o Brasil registrava uma redução de 96% na média anual dos estoques públicos de alimentos em uma década. A soja, por exemplo, não era armazenada desde 2013.
“Flutuações nos mercados de preços de alimentos são comuns. O que os países como China, EUA e outros fazem? Tu faz estoques de alimentos para preservar o preço e também para proteger os agricultores, porque tu pode ter o contrário, uma queda pronunciada do preço, aí o estoque regulador entra comprando e sustenta o preço. Quando o preço sobe, ele entra vendendo e joga para baixo”, diz Alessandro Miebach.
Segundo o professor, a redução de estoques passar por uma decisão política dos últimos governos federais, que, nutridos pela lógica liberal, passaram a defender que o mercado seria mais eficiente para reger a economia sem a participação do governo. “É uma concepção muita ingênua. O que acontece? Todo o choque de preço é transmitido direto, sem mediação. Mais ou menos o que acontece com a gasolina, toda a variação e volatilidade é transmitida para o consumidor”, afirma.
Soma-se a isso também a decisão de priorizar os grandes produtores em detrimento de realizar políticas voltadas para a agricultura familiar, que tem por característica uma produção mais voltada para abastecer o mercado interno.
Patrícia Costa diz que já é possível perceber a queda em alguns preços de alimentos, como arroz e feijão. Para a economista, contudo, isso é um reflexo do fato de que eles subiram a patamares tão altos que as pessoas deixaram de comprar, o que força uma redução nos preços.
“Você começa a ter uma guerra em que a oferta pressiona para cima e a demanda pressiona os preços para baixo, porque as pessoas não conseguem absorver os impactos do preço mais. O patamar de preço da carne bovina hoje é em torno de R$ 40 o quilo, se a gente pegar uma média de preços entre patinho, acém, coxão duro e coxão mole. Era R$ 20 em 2015. É um aumento muito grande, então o consumo diminuiu”, diz.
Alessandro Miebach diz que a avaliação de órgãos internacionais é que o preço dos alimentos começaria a cair com a retomada econômica pós-pandemia. No entanto, ele destaca que o aparecimento e os surtos da variante Delta trouxeram mais incertezas sobre os prognósticos. No caso do Brasil, a crise política perpetuada pelo presidente Bolsonaro influi para acentuar ainda mais o ambiente econômico, segundo o professor.
“Eu esperava que os preços cairiam, mas talvez não caiam, continuem num patamar alto. A taxa de inflação tende a estabilizar, é a impressão que dá. Provavelmente terá uma subida nos juros, que deve levar a uma apreciação do real. Ao apreciar o real, tu vai ter uma menor variação de preços desses bens exportáveis do Brasil. Agora, tem um problema, o problema é o governo, que cria instabilidade e insegurança”, diz.
Já a economista do Dieese avalia que a tendência ainda é de aumento no preço dos alimentos. “O café, por exemplo, a produção e o preço têm muito a ver com a expectativa dos agentes, que vende com base na produção futura. A expectativa é que a geada [ondas de frio e geada atingiram o sudeste no final de julho, provocando perdas nas safras de café, cana e laranja] já comprometeu a safra de 2022, então, com isso, a tendência é que os preços agora sejam maiores e, com isso, continua subindo”, diz.
Ela também pondera que a contínua alta nos preços de combustíveis e de energia, esta última anunciada recentemente e ainda podendo ser majorada pela continuidade da crise hídrica, seguirá pressionando para cima os preços dos alimentos. “Se você pensar que precisa levar um alimento de uma cidade para outro canto do País, o que vai incluir nesses custos? Gasolina, diesel. Se você precisar processar minimamente, vai entrar a energia elétrica. Então, a gente entra numa espiral de aumento de preços que vai se espraiando por tudo”, afirma.
FONTE: SUL 21